Hérnias de Parede Abdominal - Grupo Surgical

Conheça sobre

Hérnias de Parede Abdominal

Conceito

A hérnia de parede abdominal é quando por uma falha da parede abdominal algum conteúdo intra-abdominal se projeta através deste orifício ou defeito para um espaço não apropriado.

Abaixo demonstramos alguns pontos que consideramos importantes para que o paciente do Grupo Surgical tenha um conhecimento um pouco mais profundo sobre sua doença, após a consulta médica que resultou em seu diagnóstico.

As hérnias de parede abdominal possuem etiologias, ou origens, variáveis. Estas podem ser: a. Adquirida (adquiridas ao longo da vida), b. Congênitas (originárias desde o nascimento). Sua localização também é variável podendo ocorrer em diferentes pontos da parede abdominal, conforme demonstrado na Figura 1.

 

As localizações mais comuns são:

  • Epigástrica;
  • Femoral;
  • Incisional;
  • Inguinal;
  • Lombar;
  • Spiegel;
  • Umbilical.
Figura 1 – Localização das hérnias

Figura 1 – Localização das hérnias

Ainda, as hérnias de parede abdominal são classificadas em redutíveis ou irredutíveis: As hérnias redutíveis se projetam através do orifício (ou defeito herniário) e retornam ao local de origem dentro do abdome. Já as irredutíveis são aquelas que não retornam ao ponto anatômico de origem e podem assim se tornar encarceradas ou estranguladas quando existe comprometimento do suprimento vascular deste conteúdo herniário – caracterizando neste cenário uma urgência cirúrgica.

 

Hérnia Epigástrica

A hérnia epigástrica é a qualquer protrusão que ocorra na topografia epigástrica, ou seja entre o umbigo e apêndice xifoide, devido à um defeito na linha média do abdome. Corresponde a 3% das hérnias, é 6 vezes mais comum em homens, ocorre frequentemente entre os 20 e 50 anos de idade, são pequenas e múltiplas em 20% dos casos. A gordura pré-peritoneal é seu conteúdo mais comum, raramente ocorre a protrusão de vísceras.

Figura 2 – Hérnia epigástrica

Figura 2 – Hérnia epigástrica

A causa mais comum é a adquirida, associado a esforço físico e gestações repetidas. Geralmente não apresentam sintomas maiores além do desconforto local, podendo ser localizadas pelo próprio paciente durante a palpação. O diagnóstico pode ser clínico em pacientes magros, não necessitando de métodos de imagem ou em caso de dúvidas, pode ser utilizado a Ultrassonografia ou até a Tomografia Computadorizada.

Pelo caráter evolutivo, risco de encarceramento e estética desfavorável nos pacientes mais magros, o tratamento definitivo deve ser realizado assim que diagnosticado, por via aberta com incisão transversal e reparo do defeito herniário ou por videolaparoscopia à depender do caso e indicação. As hérnias epigástricas apresentam taxa de recorrência entre 20-30% dos casos.

 

Hérnia Femoral (ou Crural)

A hérnia femoral corresponde à 5% dos casos e é sempre de etiologia adquirida. A incidência da hérnia femoral aumenta com a idade devido à atrofia muscular própria do envelhecimento. Atinge idades entre os 40 e 70 anos, com pico de incidência durante a 6ª década. O canal femoral tem forma de cone de 1 a 2 centímetros, por onde passam os vasos femorais, localizado logo a baixo do ligamento inguinal, na virilha. São três vezes mais comuns em mulheres, pois nelas o canal é mais largo quando em comparação aos homens.

Figura 3 – Hérnia femoral

Figura 3 – Hérnia femoral

O diagnóstico da hérnia femoral é difícil, pois geralmente é assintomática e também pode não provocar nem abaulamento local, somente em pacientes mais magros ou hérnias maiores. Com isso, a utilização de métodos de imagem como a ultrassonografia e a tomografia computadorizada são mais comumente utilizadas.

O tratamento definitivo também é cirúrgico e semelhante ao da hérnia inguinal, podendo ser realizado por via aberta anterior ou videolaparoscópica, com taxa de recidiva de 3%.

 

Hérnia Incisional

A hérnia incisional é aquela que se origina através de uma incisão abdominal prévia e quando não tratadas tendem a aumentar progressivamente (figuras 4,5 e 6). Sua incidência depende de vários fatores, como obesidade, cirurgias ginecológicas ou de urgências, é mais predominante no sexo feminino e varia sua incidência na faixa etária entre 30 e 60 anos de idade. O encarceramento é frequente, o estrangulamento contudo mais raro.

A localização mais frequente são as incisões medianas infra-umbilicais.

Os principais fatores de risco para seu desenvolvimento são: a. Pacientes com comorbidades prévias (desnutrição, cirrose, neoplasias, diabetes, tabagismo, obesidade) ou idosos, em uso de determinadas medicações como corticoides, complicações pós operatórias como infecção de feridas ou deiscências.

Sua manifestação clínica é semelhante às outras hérnias, sendo que a presença de uma massa é o que chama mais a atenção dos pacientes, podendo atingir grandes tamanhos e provocando grandes prejuízos funcionais e estéticos.

O diagnostico é clínico e os métodos de imagem podem ser necessários para o planejamento cirúrgico, já que nas hérnias abdominais grandes ou crônicas, as vísceras se projetam além do abdome, trazendo maior dificuldade para reconstrução operatória. A tentativa de relocação forçada dessas vísceras para dentro da cavidade abdominal sem planejamento cirúrgico prévio podem resultar em uma série de manifestações clínicas graves para o paciente.

O tratamento destes casos é obrigatoriamente cirúrgico, para aquelas pequenas, o reparo primário pode ser realizado, mas para as maiores o uso de tela se torna obrigatório. Também podem ser corrigidas por via aberta ou laparoscópica com indicação caso-a-caso.

 

Hérnia Inguinal

A hérnia inguinal pode ser congênita ou adquirida. Nos homens, os testículos se formam dentro do abdome e somente depois se deslocam para a bolsa escrotal, através do anel inguinal. Nas mulheres, o conteúdo dessa estrutura é formado pelo ligamento redondo, uma das estruturas de sustentação do útero. Este ponto anatômico resulta em uma área de fraqueza da parede abdominal, se associado a condições que cursem com aumento da pressão intra-abdominal, como tosse crônica, prostatismo, atividades físicas, obesidade, doença hemorroidária e doenças do colágeno, o risco de desenvolvimento desta doença aumentará. As hérnias inguinais correspondem a 70% das hérnias, sendo mais frequente em homens que em mulheres (8:1).

As hérnias inguinais ocorrem em 2/3 dos casos do lado direito e em 12% dos casos podem ser bilaterais.

Figura 4 – Hérnia inguinal direta e indireta

Figura 4 – Hérnia inguinal direta e indireta

A principal queixa clínica é o abaulamento na região, que surge na posição em pé ou aos esforços físicos, podendo esse abaulamento se estender até a bolsa escrotal (hérnia inguino-escrotal). A dor, quando presente, tende a ser pequena.

Na grande maioria dos casos, o diagnóstico é clínico, com o exame físico desta região inicialmente com o paciente em pé, em repouso e após a manobra de Valsalva (manobra para aumentar a pressão intra-abdominal). Após, com o paciente em decúbito dorsal, explora-se o canal inguinal, através da palpação com o dedo indicador por dentro da bolsa escrotal, tocando o anel inguinal (manobra de Landivar). Métodos de imagens só são realizados em caso de dúvida, com ultrassonografia da região inguinal ou em casos mais raros com tomografia computadorizada.

Os diagnósticos diferenciais incluem: varicocele, cisto de cordão espermático, lipoma, tumores locais, linfadenomegalia, hidrocele.

Suas complicações são o encarceramento e o estrangulamento.

O tratamento é cirúrgico em todos os casos, podendo ser realizado por via aberta anterior ou videolaparoscópica. O primeiro, se faz com raquianestesia, com alta no mesmo dia ou no dia seguinte, dependendo do caso. A segunda se faz obrigatoriamente com anestesia geral. Em ambos os casos, o uso de tela de Polipropileno (Figura 9) é obrigatório, reduzindo o índice de recidiva para 1%. Complicações possíveis pós-operatórias são: seromas (5-7%), orquite traumática, atrofia testicular, hematomas, infecção de ferida, deiscências da ferida (abertura dos pontos) e dor crônica.

 

Hérnia Lombar

As hérnias lombares são defeitos raros, representando 2% das hérnias, surgindo através de falha na parede abdominal póstero-lateral, podendo ser congênitos (associados a defeitos ou má formações musculoesqueléticas) ou adquiridos (associados a traumas, infecções, alto ou baixo índice de massa corporal, idade, doenças crônicas debilitantes e atrofia muscular).

É dividida em hérnia lombar inferior (de Petit) ou superior (de Grynfeltt). A primeiro tem como limite anatômico inferior a crista ilíaca, lateral a margem posterior do músculo oblíquo externo e posterior a margem anterior do músculo grande dorsal. A segunda limita-se superiormente pela 12ª arco costal, medialmente pelo músculo eretor da espinha e lateralmente pela margem posterior do músculo obliquo interno.

Figura 5 – Hérnia lombar inferior e posterior

Figura5 – Hérnia lombar inferior e posterior

Seu diagnóstico é difícil, sendo a apresentação clínica mais comum o abaulamento póstero lateral, principalmente quando há um aumento da pressão intra-abdominal, associado a dor abdominal ou desconforto local. Em decorrência disso, a Tomografia Computadorizada é o exame de eleição pré-operatória, facilitando a programação cirúrgica.

Por ser um quadro evolutivo, o tratamento cirúrgico é indicado assim que feito o diagnóstico, exceto nos pacientes de alto risco cirúrgico. O procedimento pode ser via aberta (mais comum) ou laparoscópica, sempre com o uso de tela de Polipropileno, simples ou de dupla camada (tela de contato com alça).

 

Hérnia de Spiegel

São hérnias raras (0,1 a 2% de todas as hérnias) localizados através de defeitos na aponeurose de Spiegel, limitada pela linha semilunar de Douglas e pela borda lateral do músculo reto abdominal. São mais frequentes em mulheres idosas, com diâmetro menor que 2 cm em 57% dos casos. Também pode ser congênito ou adquirido (mais comum).

Seu diagnóstico é difícil, provocando queixas vagas de dor ou desconforto local, podendo ou não ser palpado um nódulo (até 3 cm) massa de parede abdominal. Exames de imagem são fundamentais, podendo ser utilizada a ultrassonografia ou tomografia computadorizada.

A cirurgia deve ser realizada assim que feito o diagnóstico, mais comum pela via aberta, com alto índice de sucesso com o reparo primário do defeito.

 

Hérnia Umbilical

Hérnia umbilical é a protrusão através de um defeito aponeurótico na cicatriz umbilical. Sua incidência é muito comum, estima-se que 10% das crianças nasçam com hérnia umbilical. Em adultos representam 6% das hérnias de paredes abdominais, mais comum em mulheres (3:1) entre a quinta e sexta década de vida.

O anel umbilical era um orifício na linha alba pelo qual os vasos umbilicais do feto passam para o cordão umbilical, em direção a placenta. A evolução natural desse anel em crianças é fechar espontaneamente nos primeiros 5 anos de vida. Os defeitos menores que 1 centímetro fecham em 95% dos casos até essa idade. No entanto, as hérnias nos adultos não fecham espontaneamente e o omento (gordura abdominal) é o conteúdo mais frequentemente encontrado.

As hérnias dos adultos não resultam da persistência das hérnias infantis, em 90% dos casos ocorrem por um defeito adquirido pelo enfraquecimento gradual do tecido cicatricial umbilical, podendo aumentar ao longo do tempo. São situações que provocam o aumento da pressão da parede abdominal: obesidade, gestação, atividades físicas, tumores abdominais, ascites ou tosse crônica. Em pacientes cirróticos e com ascite essa incidência aumenta para 20% dos casos.

O paciente se queixa frequentemente de um abaulamento na cicatriz umbilical, podendo estar associado a algum desconforto ou dor.

O diagnóstico é realizado através do exame clínico, não sendo necessário a solicitação de nenhum exame diagnóstico. Em casos de difícil diagnóstico, como por exemplo em obesos, pode ser necessário a realização de ultrassonografia de parede abdominal ou até tomografia computadorizada.

As complicações possíveis são o encarceramento, estrangulamento ou evisceração (quando há exposição do conteúdo através da parede), ocorrendo em apenas 5% dos casos.

O tratamento depende da idade, no entanto é obrigatoriamente cirúrgico. Em adultos, o tratamento é indicado comumente para as hérnias grandes, sintomáticas ou que apresentem encarceramento. Para casos de estrangulamento ou evisceração a cirurgia deve ser realizado em caráter de urgência.

A cirurgia consiste numa incisão transumbilical ou infraumbilical e reparo do defeito herniário. O uso de telas de Polipropileno deve ser indicado apenas para defeitos maiores que 4 centímetros de diâmetro. A anestesia frequentemente é por raquianestesia.

 

Complicações

As principais complicações são locais e decorrem de: hematomas (coleção de sangue), infecção de ferida operatória (representado por hiperemia ao redor da ferida de mais de 5 milímetros e saída de secreção purulenta pelos pontos), dor crônica e recidiva (11%), mais comum em pacientes diabéticos, obesos, tabagista e que não fizeram o repouso adequado. As complicações gerais são mais raras, compostas por: embolia pulmonar, pneumonia, retenção urinária, flebite e até infarto, dependendo das comorbidades prévias dos pacientes.

 

Cuidado Pós-operatório

A recuperação pós-operatória costuma ser muito rápida, não há dieta específica e nem necessidade do uso de antibióticos em casa na grande maioria dos casos. Na alta é prescrito geralmente analgésicos e anti-inflamatórios. Nos primeiros dias o paciente pode apresentar náuseas e até vômitos, em decorrência da anestesia.

Os cuidados com a ferida operatória são simples, devendo ser realizado higienização diária com água e sabonete comum e álcool 70%, pode ocorrer a saída de secreção sero-sanguínea em pequena quantidade. Após estar seca, a ferida pode ser mantida aberta. O retorno ambulatorial deve ocorrer entre 7 e 14 dias de pós-operatório, quando serão retirados os pontos cirúrgicos. A cinta ou faixa abdominal pós-cirúrgica também é exceção, sendo indicadas nas hérnias umbilicais grandes ou incisionais, realizadas pela via convencional.

Podem ser realizadas tarefas simples do dia a dia, como caminhada, subir e descer escadas, dirigir pequenos trajetos, erguer até 5 quilos, mas a dor deve ser o fator limitante. O repouso absoluto no leito é contra-indicado. Após 60 dias de pós operado não há mais restrições. O tempo de afastamento do trabalho depende caso a caso de acordo com as atividades de cada indivíduo. Em caso de dúvidas, o retorno ao médico deve ser precoce.

Fonte

  1. RESTREPO JFP, Hérnia Abdominais. In: COELHO JCU. Aparelho Digestivo – Clínica e Cirúrgica. São Paulo, Ed. Atheneu, 3º ed, 2006, P 1951-1965.
  2. SPERANZINI MB e DEUTTSCH CR Cirurgia das Hérnias Inguinais e Femorais. In: PETROIANU A. Clínica Cirúrgica do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, São Paulo, Ed Atheneu. 2010. P 187-200.
  3. WATANABE LM. e OTERO, P.M.F. Hérnias de Parede Abdominal. In: PETROIANU A. Clínica Cirúrgica do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, São Paulo, Ed Atheneu. 2010. P 201-210.

Dr. Rafael M Ruano
Prof. Dr. Bruno M. Pereira