Doenças Orificiais - Grupo Surgical

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Doenças Orificiais

Introdução

As doenças orificiais são muito frequentes, acometendo 5% da população adulta nos Estados Unidos. Elas podem ser tratadas de forma clínica ou cirúrgica, dependendo do caso. As cirurgias mais comuns são para tratamento das hemorroidas, fissuras e fistulas perianais.

O canal anal é a porção terminal do tubo digestivo, possui múltiplos terminais nervosos e portanto se trata de um região muito sensível.

Figura 1 – Anatomia do canal anal

Figura 1 – Anatomia do canal anal

 

Abscessos e Fístulas Perianais

Abscessos e fístulas perianais são considerados apresentação distinta da mesma patologia, os primeiros representam a fase aguda e o último a fase crônica do mesmo processo.

Abscesso perianal pode ser provocado por traumas locais, corpo estranhos, neoplasias locais, doença inflamatória intestinal, dentre outros. Inicia-se com uma obstrução das glândulas anais localizados na cripta anal (na linha pectínea), essa secreção em contato com as fezes forma o abscesso perianal, com uma variedade de apresentações. Normalmente, este abscesso evolui para a cura com o tratamento adequado, somente 30-40% evoluiu para fístula perianal.

Acomete mais homens entre a quarta e sexta década de vida. Inicia-se geralmente com dor local, de início súbito, com piora aos movimentos e esforço físico. Se não tratado, evolui com edema e rubor local (inchaço quente e avermelhado). Febre pode ocorrer em pacientes com comorbidades, como diabetes, ou abscessos maiores.

O diagnóstico é clínico em grande parte das vezes, através da inspeção local e toque retal (necessário para os abscessos profundos). Em caso de dúvida, métodos diagnósticos de imagem como a Tomografia Computadorizada pode ser necessário.

O tratamento do abscesso perianal é obrigatoriamente cirúrgico, com incisão local sobre a área do abscesso a fim de drenar toda a secreção purulenta presente, associados ao uso de antibiótico adequado por pelo menos 7 dias. Na maioria dos casos, após a drenagem, o tratamento se dá ambulatorialmente, em raros casos de abscessos grandes ou pacientes com comorbidades é necessário o tratamento em ambiente hospitalar. Essa incisão (orifício de drenagem) ficará aberta e ira drenar secreção por alguns dias, fechando espontaneamente após poucas semanas.

A fístula perianal é a consequência de um abscesso formado nessa região, através da eliminação natural da secreção contida neste abscesso por um orifício na região perineal. A fístula então é o resultado da cura espontânea do abscesso, comunicando a região interna do canal anal ou reto até a região externa. Nem todo abscesso resulta em fistula, porém as fistulas já formadas podem novamente se infectar formando um novo abscesso. Em raros casos podem ser secundárias a outras patologias locais, como neoplasias, tuberculose, doença de Crohn ou retocolite ulcerativa.

A principal queixa é a saída de secreção, serosa ou purulenta, pelo orifício externo da fístula, podendo estar associado a dor ou desconforto local, além de prurido anal.

Figura 2 - Abscesso e fístula perianal com ceton

Figura 2 - Abscesso e fístula perianal com ceton

O diagnóstico é através do exame clínico local, onde observa-se um orifício externo próximo ao anus, com um tecido de granulação (tecido vermelho) em seu interior, podendo estar ou não drenando secreção no momento do exame. No toque retal pode ser sentido um trajeto fibroso em direção ao canal anal. Em caso de dúvidas ou na suspeita de fístulas complexas, que atinjam grande quantidade de fibras do músculo esfíncter anal externo, pode ser necessário a realização de Ressonância Nuclear Magnética ou ultrassonografia endoretal, além de uma colonoscopia ou sigmoidoscopia para afastar outras patologias associadas.

O tratamento geralmente é cirúrgico e sua técnica depende dos diferentes tipos de fistula existentes (baseadas no seu trajeto). O tratamento da fístula superficial é mais simples, devendo-se localizar os orifícios fistulosos externo e interno e então proceder com a abertura desse trajeto, com sua curetagem (cirurgia denominada de fistulotomia ou fistulectomia). Para as fistulas complexas ou profundas, por envolver a musculatura do esfíncter, o tratamento é mais complexo. A maioria precisa de duas cirurgias (cirurgia em dois tempos), sendo no primeiro tempo colocado um cordão de algodão (sedenho) na musculatura a fim de poupa-la. Essa ferida permanece aberta para cicatrização em segunda intenção, com fechamento espontâneo completo em algumas semanas. A cirurgia é realizada com raquianestesia na maioria dos casos, com alta no mesmo dia ou no dia seguinte.

 

Fissuras Anais

Fissura anal é uma lesão longitudinal ou área ulcerada no canal anal distal se estendendo desde a linha pectínea até a borda anal. A fissura aguda resulta do trauma direto produzido pela evacuação com fezes endurecidas, é superficial, apresenta processo inflamatório ao seu redor e apresenta a hipertonia esfincteriana do músculo anal interno como consequência da dor. A fissura crônica é aquela que persiste por mais de 6 semanas apesar do tratamento clínico, associado na maioria das vezes a um aumento da pressão de repouso do esfíncter anal interno com diminuição do fluxo sanguíneo para essa região.

Acomete igualmente homens e mulheres jovens, acometendo a linha média posterior entre 66 a 86% dos casos. Em extremos de idade, como crianças e idosos, pode estar associado a trauma direto.

A principal manifestação clínica é a dor, associado ou não com o prurido anal, que piora após a evacuação, podendo ser observado sangue em pequena quantidade no vaso sanitário ou papel higiênico ao se limpar.

O diagnóstico é clínico, através da história e exame físico, sendo visualizado na inspeção uma solução de continuidade posterior ou uma úlcera bem definida, na mesma localização, podendo ser encontrado alterações como plicoma sentinela e papila anal hipertrófica.

A constipação, acometendo 26% dos pacientes, quando presente deve ser tratado. Para as fissuras agudas deve ser usada analgésicos orais e locais na forma de cremes ou pomadas, além de medidas comportamentais locais, como banhos de assentos com água morna, evitar uso de papel higiênico e evitar ficar sentado no vaso sanitário por longos períodos, resultando em cicatrização da lesão após tratamento por 3 semanas em até 80% dos casos.

Já as fissuras crônicas, somente 40% irão cicatrizar após tratamento conservador. Além das medidas clínicas citadas acima, podem ser usadas cremes e pomadas que provoquem o relaxamento desse esfíncter anal hipertônico, como os nitratos e bloqueadores do canal de cálcio. A toxina botulínica é outra alternativa a ser usado, resultando na cicatrização entre 73 e 96% dos casos.

A falha no tratamento clínico indica correção cirúrgica, sendo a técnica de esfincterotomia interna lateral a de eleição, sendo efetiva em 95% dos casos. A fissurectomia, que é a excisão da fissura, pode ou não ser realizada.

Como complicações ao tratamento, o uso de nitratos pode resultar em cefaleia e o procedimento cirúrgico pode resultar em incontinência fecal temporária ou deformidade anal em buraco de fechadura.

 

Hemorroidas

Hemorroidas são coxins da submucosa contendo arteríolas e vênulas comunicantes normais na anatomia humana. Doença hemorroidária são dilatações varicosas anorretais anormais, devido a pressão persistentemente elevada no plexo hemorroidário. É a doença orificial mais frequente na população, sendo que 50% das pessoas com mais de 50 anos de idade tem algum tipo de sintoma hemorroidário. Vários fatores contribuem para seu desenvolvimento, podendo ocorrer em qualquer idade e em ambos os sexos, mas afeta mais indivíduos brancos que negros.

O plexo hemorroidário interno é formado pela artéria retal superior, formando geralmente três mamilos hemorroidário interno, área anterior direita, posterior direita e lateral esquerda (imaginando-se que o anus é um relógio, e que a zero hora é a região mais próxima do pênis ou na vagina, esses plexos se localizam as 3, 7 e 9 horas. Essa região tem uma inervação visceral autônoma, proporcionando muito mais um desconforto local que dor.

Figura 3 – Plexo hemorroidário interno

Figura 3 – Plexo hemorroidário interno

O plexo hemorroidário externo é formado pela artéria retal inferior, esta localizado abaixo da linha pectínea e com inervação somática, é rica em fibras sensitivas de dor, temperatura e toque.

Figura 4 – Plexos hemorroidárias

Figura 4 – Plexos hemorroidárias

A causa da doença hemorroidária permanece controversa, mas as principais teorias associadas são:

  • dilatação anormal das veias do plexo hemorroidário;
  • distensão anormal das anastomoses arteriovenosas;
  • destruição do tecido conjuntivo de sustentação;
  • deslocamento ou prolapso dos coxins anais.
 

Podem der divididas em:

  • Quanto a localização:
    1. externa: abaixo da linha pectínea;
    2. interna: acima dessa linha;
    3. mista.
  • Quanto ao grau:
    1. Primeiro grau: ocorre apenas sangramento anal, sem prolapso;
    2. Segundo grau: sangramento e prolapso, mas com redução espontânea (a hemorroida prolapsa pelo anus no ato evacuatório, mas retorna ao seu interior imediatamente após cessado o esforço);
    3. Terceiro grau: sangramento e prolapso, porém, necessária redução manual do plexo;
    4. Quarto grau: sangramento e prolapso irredutível do plexo.

O sangramento anal é a principal queixa clínica, de volume variado, rutilante, associado as evacuações. Geralmente não causa dor, mas os mamilos hemorroidários (os “caroços”) tendem a incomodar.

O diagnóstico também é clínico, através da história e exame clínico, o a inspeção, toque retal, anuscopia (para o diagnóstico das hemorroidas internas grau I e II). A retossigmoidoscopia ou colonoscopia são importantes para o diagnostico diferencial do sangramento anal e assim afasta-se neoplasias.

Figura 5 - Aparelho de anuscopia

Figura 5 - Aparelho de anuscopia

Figura 6 -  Exame de colonoscopia

Figura 6 - Exame de colonoscopia

O tratamento da doença hemorroidária depende da localização, do grau e dos sintomas. A princípio, todos os pacientes com alguma sintomatologia devem ser tratados inicialmente de forma clínica.

O tratamento clínico baseia-se numa dieta rica em fibras e aumento da ingestão hídrica, com isso há a melhora da função intestinal, as fezes ficam macias e diminui-se o trauma local. Não há comprovação científica de que ingesta de pimenta, café, frutas ácidas ou outros alimentos devam ser evitados. O uso do papel higiênico também deve ser desestimulado, pois além de não fornecer uma limpeza adequada, ainda traumatiza os mamilos. A higiene deve ser realizada com água e sabonete após cada evacuação. Cremes locais com analgésicos e anti-inflamatórios promovem apenas alivio dos sintomas locais.

Para as hemorroidas internas grau I, II ou III sintomáticas, o tratamento de eleição é a ligadura elástica do mamilo hemorroidário, procedimento simples, barato, seguro, podendo ser realizado no próprio consultório. As incidências de complicações são pequenas, sendo o sangramento a principal delas. A ligadura é contra indicada para hemorroidas externas. A escleroterapia, crioterapia ou fotocoagulação são pouco utilizadas.

Figura 7 – Procedimento de ligadura elástica

Figura 7 – Procedimento de ligadura elástica

A hemorroidectomia cirúrgica é indicado para hemorroidas externas ou mistas. Há três técnicas passiveis de ser realizadas:

  • Técnica aberta: liga-se o pedículo vascular com excisão do mamilo, deixando aberta a área de dissecção, que irá cicatrizar por segunda intenção, em torno de 4 semanas;
  • Técnica semi-fechada: semelhante a técnica aberta, porem fecha-se todo plano submucoso e deixa aberta apenas a pele;
  • Técnica fechada: liga-se o pedículo vascular com excisão do mamilo, porem toda a área de ressecção é fechada com fio absorvível.
Figura 8 – Hemorroidectomia aberta / aspecto final

Figura 8 – Hemorroidectomia aberta / aspecto final

Figura 9 – Aspecto final da hemorroidectomia fechada

Figura 9 – Aspecto final da hemorroidectomia fechada

Para as hemorroidas internas grau III e IV o tratamento de eleição é a hemorrodiectomia por grampeamento, em que se introduz um grampeador circular próprio até 4 cm da borda anal e após seu acionamento há a excisão de uma faixa circular de mucosa com todo plexo hemorroidário e prolapso mucoso. É contraindicado em hemorroida externa ou trombose hemorroidária.

Figura 10 – Hemorroidectomia por grampeamento

Figura 10 – Hemorroidectomia por grampeamento

A trombose hemorroidária é o aparecimento agudo de um nódulo perianal extremamente doloroso, podendo ser único ou múltiplos, geralmente associado ao ato evacuatório ou trauma local. Seu tratamento depende do tempo de ocorrência, para os quadros agudos, com menos de 12 horas de aparecimento e dor intensa, deve ser realizado a trombectomia ou a resseção do mamilo trombosado. Para aqueles que tem mais de 12 horas de duração, pelo amplo edema local, opta-se pelo tratamento clinico convencional, exceto para aqueles em que a trombose se instala em todos os mamilos resultando num pseudo-estrangulamento, nesse caso a resseção cirúrgica é de urgência.

 

Cuidados Pós-Operatórios

As cirurgias anorretais resultam em intenso desconforto local, dor, prurido, sangramento, saída de secreções e o cuidado pós-operatório tem uma importância fundamental para o sucesso no tratamento.

A associação de analgésicos orais com anti-inflamatórios não hormonais promove uma analgesia adequada na maioria dos casos. Não há consenso na literatura sobre o uso de pomadas ou cremes analgésicos locais, mas elas podem ser utilizadas.

O aumento da ingestão de fibras para 20 a 35g/dia favorece a melhora do transito intestinal, diminuindo a dor e sangramento pós-operatório, associado a um aumento da ingestão hídrica. Para os casos em que não há alivio, o uso de laxativos por curto período pode ser recomendado. A constipação tem que ser evitada.

Banhos de assentos de imersão com água morna, com duração de 10 a 15 minutos, de 3 a 4 vezes ao dia, além de auxiliar a higiene local, também promove conforto local. Curativo não é necessário na maioria das vezes, porém para aquelas feridas hipersecretivas, o uso de absorvente feminino externo pode ser utilizado.

Atividades físicas leves e moderadas, como caminhadas, deve ser realizada. O sedentarismo é contra-indicado, porém a dor deve ser o fator limitante. Atividades físicas esportivas e o retorno as atividades laborais dependem de cada caso, mas a princípio, após 60 dias não é para existir limitações.

 

Complicações Pós-Operatórias

As principais complicações precoces são:

  • Retenção urinárias: ocorrem em 30% dos casos;
  • Infecção do trato urinário: ocorrem em 5% dos casos;
  • Hemorragia: sangramento de pequeno volume é esperado no pós-operatório, porém hemorragias volumosas podem indicar falha técnica;
  • Impactação fecal: associado a dor e ao uso de opiódes, por isso a importância da dieta adequada no pós-operatório, ingesta de líquidos e analgesia adequada;
  • Infecção: são incomuns, ocorrendo em menos de 1% dos casos.
 

As complicações tardias são:

  • Fissuras anais residuais: podem ocorrer em qualquer operação e baseia-se na não cicatrização das áreas cruentas (das feridas), podendo ser tratada com cauterização tópica com nitrato de prata ou ressecção cirúrgica;
  • Estenoses anais: ocorrem por retirada excessiva de tecido, mais comum nas hemorroidectomias, sendo o tratamento cirúrgico com anuplastia com rotação de retalho;
  • Incontinência fecal: provocadas por lesões esfincterianas (nas fistulotomias anais porem ser uma consequência esperada).

Fonte

  1. ARAÚJO SEA, OLIVEIRA JR O, MOREIRA JPT, SALLES RRV. Fissura Anal: Manejo. In. Projeto Diretrizes, Sociedade Brasileira de Coloproctologia, Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 2008. https://diretrizes.amb.org.br/_BibliotecaAntiga/fissura-anal-manejo.pdf
  2. BRENNER AS, BORGES FF. Hemorroidas. In: PETROIANU A. Clínica Cirúrgica do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, São Paulo, Ed Atheneu. 2010. P 445-449
  3. CORMAN ML, BONARDI RA, OLIVEIRA JR O, BONARDI MA. Hemorroidas. In: COELHO JCU. Aparelho Digestivo – Clínica e Cirúrgica. São Paulo, Ed. Atheneu, 3º ed, 2006, P 1070-1083
  4. KOTZE PG, MARTINS JF, STECKERT JS. Operações anorretais. In: PETROIANU A. Clínica Cirúrgica do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, São Paulo, Ed Atheneu. 2010. P 439 – 450.
  5. MOREIRA H, MOREIRA JPT, MOREIRA JR HM. Abscessos e Fístulas Anais. In: COELHO JCU. Aparelho Digestivo – Clínica e Cirúrgica. São Paulo, Ed. Atheneu, 3º ed, 2006, P 1084-1994
  6. PINHO RV. Fissura Anal. In: COELHO JCU. Aparelho Digestivo – Clínica e Cirúrgica. São Paulo, Ed. Atheneu, 3º ed, 2006, P 1095-1099.
  7. VALARINI R. Fissura Anal. In: PETROIANU A. Clínica Cirúrgica do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, São Paulo, Ed Atheneu. 2010. P 451-455